Introdução
Desde que comecei a fazer trekking com minhas filhas e compartilhar essa vivência nas redes sociais, até hoje os dias de hoje, sempre recebi mais comentários de apoio e admiração do que julgamento. Muitas famílias começaram a praticar Trekking com seus filhos por causa de nós, pois através dos meus conteúdos perceberam que era possível fazer isso com segurança e qualidade, porém não são raras mensagens agressivas e olhares cheios de repreensão de pessoas que nos encontram em trilhas.
Muitas pessoas ainda acham perigoso levar seu filho/a para uma trilha ou alguma atividade outdoor. Essa percepção de perigo é de certa forma cultural, e vem de uma desconexão que a vida moderna criou com o ambiente natural, como se estar na natureza não fosse mais o nosso lugar. Existe uma falsa impressão de que estamos mais seguros dentro de casa e em ambientes supostamente controlados. O próprio adulto tem medos e fobias referentes a esse tipo de vivência, e certamente pensará assim quando falamos em ir para a natureza com as crianças. Essa desconexão é um tema que vale um post a parte inclusive… Sem falar de todos os “perigos” para o desenvolvimento saudável de uma criança, quando ela é impedida de ter esse contato com a Natureza.
Mas é perigoso fazer trilha com crianças e bebês? Não é perigoso, entretanto a resposta pode ser também sim ou talvez. E isso vai depender de algo chamado GESTAO DE RISCO
Importância de gestão de risco em trilhas com crianças
Gestão de risco faz parte da nossa existência. É instintivo, nos acordamos e passamos o tempo todo avaliando nossas ações de acordo com a percepção de risco. Se saímos a pé pela cidade, olhamos para os lados para atravessar a rua, levamos guarda chuva se achamos que irá chover, damos a mão para nossos filhos para atravessar uma avenida movimentada e por aí vai. Em atividades na natureza a gestão de risco é algo ainda mais importante e existem inúmeros critérios, cartilhas e procedimentos. Associações importantes de diversos esportes como: canoagem, montanhismo, mergulho tem esse tema muito desenvolvido.
Variáveis importantes na gestão de risco: ambiente, indivíduos e equipamentos
Dependendo da atividade e profundidade da análise, a gestão de risco pode ser praticamente uma ciência, com muitas variáveis e um nível de complexidade grande, mas ideia aqui é passar um método simples e rápido para todos conseguirem fazer sua própria analise básica de gestão de risco nas atividades outdoor e tornar uma prática acessível e que faça parte da rotina de todos os aventureiros.
Para isso devemos considerar 3 variáveis: Ambiente, indivíduo e equipamentos
1 – Ambiente
É o levantamento das características do local ou locais que a atividade será realizada. Como é o terreno, tipo de piso, mata fechada ou não, incidência de sol, clima nesse período, acesso a água, animais peçonhentos, distâncias de hospitais, nível de isolamento e etc.
2 – Indivíduo
São as pessoas que estarão presentes. Se são crianças, idosos ou adultos e suas características: nível de experiência, capacidade física, restrições físicas, alimentares, alergias, nível de controle emocional, doenças crônicas ou pré existentes e etc.
3 – Equipamentos
São todos os equipamentos necessários para executar essa atividade e se de fato teremos acesso a eles. Roupas adequadas, proteção ao sol, método de purificar água, abrigo, suprimentos, sistema de dormir (isolantes e sacos de dormir adequados), faca, pederneira, kit primeiros socorros e etc. Por exemplo. Ter um GPS se for um local de navegação difícil, Anorak se existe risco de chuva ou ventos fortes, barraca 4 estações se for um ambiente de montanha mais extremo e etc
Mas como usar essas informações?
Análise de ambiente para trilhas com crianças
A gestão de risco será a combinação dos diversos elementos dessas 3 variáveis. E nessa matriz regularemos o nível de exposição ao risco que estamos dispostos a aceitar.
Por exemplo, se na avaliação do Ambiente percebermos que para aquele destino a época escolhida é de alta incidências de chuvas e muito frio (como na Carretera Austral entre julho e outubro), avaliaremos que no quesito Equipamentos ter um bom anorak e uma barraca com coluna d’água alta sejam essenciais, porém mesmo assim, existe o risco das pessoas terminarem o dia molhadas, pois até o melhor Anarok tem um limite de chuva que suporta, e estar molhado potencializa muito o risco de Hipotermia.
Considerações sobre as características dos indivíduos
Considerando então a variável Indivíduo, para um adulto saudável e resistente você poderia até achar aceitável essa exposição, mas para bebês, crianças e idosos esse nível de exposição entraria para o inaceitável provavelmente se não existisse nenhum outro equipamento que garantisse 100% de proteção a chuva.
Frente a isso o que fazer? Analizar novamente as 3 variáveis (Ambiente, indivíduo e equipamentos) e ver aonde poderíamos trabalhar para tornarem os riscos levantados aceitáveis. Talvez ao invés de acampar ficar em um abrigo, procurar formas de levar a criança que fique completamente protegida da chuva e vento (como as mochilas Kid Carriers com o rain cover), ou olhar para Ambiente e alterar a data da atividade.
Normalmente os acidentes acontecem em sobreposições exageradas de exposição ao risco
Como considerar um risco aceitável ou não?
O que é aceitável ou não na gestão de risco é um tema que toca questões pessoais subjetivas e éticas. É muito relativo nos quesitos pessoais mas nem tanto nos quesitos éticos.
Exemplificando de uma forma mais extrema, para alguns, escalar uma parede de rocha no estilo “solo” sem cordas e equipamentos de segurança pode ser aceitável, pois provavelmente eles tem tanto domínio da capacidade de realizar essa escalada que o risco de queda para eles praticamente não existe. É possível uma rocha se romper, um mal súbito, picada de animais e etc, porém na gestão de risco desses indivíduos isso também é considerado baixo. Esse é o exemplo de como o critério para avaliação de risco é muito pessoal e pode gerar opiniões bem diversas.
Quando falamos de critérios relacionado a ética esse é um tema que a principio tem um certo entendimento universal do que é ético ou não.
Por exemplo o caso famoso do “coach dos Marins” que subiu o pico dos Marins com 50 pessoas inexperientes, na época de chuva, com a pressão praticamente messiânica de que ninguém poderia desistir. A chance de dar tudo errado era enorme e de fato deu. Eles tiveram que ser resgatados, abandoaram lixo e barracas quebradas na montanha e por um milagre ninguém morreu.
Foi um caso extremo de completo descaso e falta de uma gestão de risco mínima, com muitos elementos acumulados de exposição ao risco. Mas vamos supor que por um milagre também tudo tivesse dado certo. Eticamente seria um caso muito errado de gestão de risco que claramente ultrapassou os critérios subjetivos pessoais.
Conclusão: a importância da gestão de risco para trilhas seguras
Ter o costume de fazer a sua própria gestão de risco é extremamente importante, mesmo que você esteja acompanhado de alguém muito experiente (que por si só já é uma forma de diminuir sua exposição ao risco), pois assim você conseguirá avaliar os critérios de exposição que estão sendo aplicados, todos os recursos para manter eles aceitáveis e fazer escolhas conscientes antes e durante a atividade. Ganhe autonomia e seja também responsável pela sua segurança!
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Fernando Barros
Ao longo dos últimos anos Fernando, levou suas 2 filhas (Gabi e Nina) para mais de 180 trilhas no Brasil e América do Sul. Em muitas delas provavelmente suas filhas foram as crianças mais novas a fazerem. Acumulou muita experiência em em trekking com crianças, virando assim referência no assunto na cena outdoor Brasileira. A missão dele é inspirar outras famílias e resgatar a importância da natureza na infância das crianças. Fundou a Cria outdoor, agência especializada em montanhismo com crianças, e produz conteúdo sobre parentalidade e vida outdoor.